O que exactamente é o Bhagavad-Gita? O Bhagavad-Gita propõe-se a livrar a humanidade da ignorância contida na existência material. Cada um de nós anda às voltas com tantos obstáculos, assim como Arjuna tinha diante de si esta dificuldade de lutar na Batalha de Kurukṣetra. Arjuna rendeu-se ao Senhor Krishna, e em consequência o Bhagavad-Gita foi falado. Não só Arjuna, mas cada um de nós, vive cheio de ansiedades devido à nossa existência material. Nossa própria existência está na atmosfera da não-existência. De fato, não estamos destinados às ameaças da não-existência. Nossa existência é eterna. Mas de um jeito ou de outro fomos postos em asat. Asat refere-se àquilo que não existe.
Dentre tantos seres humanos que estão sofrendo, poucos são os que realmente perguntam sobre sua posição, sobre quem são, por que estão nesta posição ingrata e assim por diante. Se a pessoa não despertar para esta plataforma na qual ela quer saber o porquê de seu sofrimento, se não se der conta de que não quer sofrer, mas sim encontrar uma solução para todo este sofrimento, ela não deve então ser considerada um ser humano perfeito. A raça humana começa quando este tipo de indagação desperta na mente. Toda actividade do ser humano deve ser considerada um fracasso a não ser que ele indague sobre a natureza do Absoluto. Portanto, aqueles que perguntam porque estão sofrendo, de onde vieram e para onde irão após a morte são estudantes qualificados para entender o Bhagavad-Gita. O estudante sincero deve também ter profundo respeito pela Suprema Personalidade de Deus. Arjuna era este tipo de estudante.
O Senhor Krishna advém especificamente para restabelecer o verdadeiro propósito da vida sempre que este propósito é esquecido por nós. Mesmo assim, dentre os muitos e muitos seres humanos que despertam, talvez haja um que realmente procure compreender sua posição, e para ele é falado este Bhagavad-Gita. De fato, todos estamos sendo engolidos pelo tigre da ignorância, mas o Senhor tem muita misericórdia das entidades vivas, especialmente dos seres humanos. Foi por isso que Ele falou o Bhagavad-Gita, fazendo do Seu amigo Arjuna Seu aluno.
Sendo um companheiro do Senhor Krishna, Arjuna estava acima de toda a ignorância, mas no Campo de Batalha de Kurukṣetra, Arjuna foi posto em ignorância só para perguntar ao Senhor Krishna sobre os problemas da vida, para que o Senhor pudesse explicá-los para o benefício das futuras gerações de seres humanos e assim traçar o plano de vida. A humanidade assim poderá agir de acordo com estes princípios e aperfeiçoar a missão da vida humana.
O assunto do Bhagavad-Gita envolve a compreensão de cinco verdades básicas. Em primeiro lugar, explica-se a ciência de Deus e também a posição constitucional das entidades vivas, as jivas. Existe o Ishvara, que significa o controlador, e há as jivas, as entidades vivas que são controladas. Se uma entidade viva diz que não é controlada mas sim, livre, então ela é doida. O ser vivo é controlado em todos os aspectos, pelo menos em sua vida condicionada. O Bhagavad-Gita então, descreve o Ishvara, o controlador supremo, e as jivas, as entidades vivas controladas. Também discute prakrti (a natureza material) e o tempo (a duração da existência de todo o Universo, ou da manifestação da natureza material) e karma (atividades). A manifestação cósmica está cheia de diferentes atividades. Todas as entidades vivas estão ocupadas em diversas atividades. Através do Bhagavad-Gita, devemos aprender o que é Deus, o que são as entidades vivas, o que é prakrti, o que é a manifestação cósmica, como ela é controlada pelo tempo, e quais são as atividades das entidades vivas.
Dentre os cinco tópicos básicos, inseridos no Bhagavad-Gita, fica comprovado que a Divindade Suprema, ou Krishna, ou Brahman, ou o controlador supremo, ou Paramatma _ você pode usar o nome que lhe aprouver _ é de todos o maior. Os seres vivos têm as mesmas qualidades do controlador Supremo.
Por exemplo, o Senhor tem o controle dos assuntos universais da natureza material, como esta explicado nos capítulos do Bhagavad-Gita. A natureza material não é independente. Ela age sob a direcção do Senhor Supremo. Como o Senhor Krishna diz: “Esta natureza material funciona sob Minha direção”. Quando vemos fenômenos maravilhosos acontecendo na natureza cósmica, devemos saber que, por trás desta manifestação cósmica, há um controlador. Nada poderia manifestar-se se não houvesse controle. É infantilidade não levar em conta a presença do controlador. Por exemplo, uma criança pode achar que um automóvel seja realmente maravilhoso, capaz de correr sem ser puxado por um cavalo ou um outro animal, mas um adulto são, sabe sobre a engenharia mecânica do automóvel. Ele sempre sabe que por trás da máquina há um homem, um motorista. De modo semelhante, o Senhor Supremo é o motorista sob cuja direcção tudo funciona. Como veremos nos capítulos ulteriores, o fato é que as jivas, ou entidades vivas, foram aceitas pelo Senhor como Suas partes integrantes. Uma partícula de ouro também é ouro, uma gota dágua do oceano também é salgada, e da mesma maneira, nós, as entidades vivas, sendo partes integrantes do controlador supremo, ishvara, ou Bhagavan, Senhor Krishna, temos em quantidade diminuta todas as qualidades do Senhor Supremo porque somos ishvaras diminutos, ishvaras subordinados. Estamos tentando controlar a natureza, e actualmente estamos tentando controlar o espaço, os planetas, e temos esta tendência de controlar, porque ela existe em Krishna. Porém, embora tenhamos a tendência de dominar a natureza material, devemos saber que não somos o controlador supremo. Isto é explicado no Bhagavad-Gita.
O que é a natureza material? Este ponto também é explicado no Bhagavad-Gita como prakrti inferior, natureza inferior. Menciona-se que a entidade viva é prakrti superior. A prakrti, inferior ou superior, está sempre sob controle. Aprakṛti é feminina, e é controlada pelo Senhor, assim como as actividades da esposa são controladas pelo marido. Aprakrti é sempre subordinada, predominada pelo Senhor, que é o predominador. As entidades vivas e a natureza material são predominadas, e estão controladas pelo Senhor Supremo. Segundo o Bhagavad-Gita, as entidades vivas, embora partes integrantes do Senhor Supremo, devem ser consideradas prakrti. Isto é claramente mencionado no Sétimo Capítulo do Bhagavad-Gita. “Esta natureza material é Minha prakrti inferior, porém, além desta há outra prakrti _ jiva-bhutam, a entidade viva”.
A própria natureza material é constituída por três qualidades: o modo da bondade, o modo da paixão e o modo da ignorância. Acima destes modos, há o tempo eterno, e através da combinação destes modos da natureza e sob o controle e jurisdição do tempo eterno, existem as actividades que são chamadas karma. Essas atividades vêm sendo realizadas desde tempos imemoriais, e sofremos ou gozamos dos frutos de nossas actividades. Por exemplo, suponha que eu seja um homem de negócios e tenha usado minha inteligência trabalhando arduamente para conseguir um grande saldo bancário. Então, sou o desfrutador. Mas digamos então que eu tenha perdido todo o dinheiro nos negócios; então, sou o sofredor. Do mesmo modo, em cada esfera da vida gozamos ou sofremos os resultados de nosso trabalho. Isto se chama karma.
Ishvara (o Senhor Supremo), jiva (a entidade viva), prakrti (a natureza), kala (o tempo eterno) e karma (actividades) são todos explicados no Bhagavad-Gita. Destes cinco, o Senhor, as entidades vivas, a natureza material e o tempo, são eternos. A manifestação de prakrti pode ser temporária, mas não é falsa. Certos filósofos dizem que a manifestação da natureza é falsa, porém, segundo a filosofia do Bhagavad-Gita ou segundo a filosofia dos vaishnavas, não é bem assim. A manifestação do mundo não é aceita como falsa; é aceita como real, embora temporária. É comparada a uma nuvem que passa no céu, ou à vinda da estação das chuvas, a qual nutre os grãos. Logo que termina a estação das chuvas e logo que a nuvem vai-se embora, todas as plantações que foram nutridas pela chuva definharão. Do mesmo modo, esta manifestação material acontece num certo intervalo, permanece por algum tempo e então desaparece. Esta é a função da prakrti. Mas este ciclo ocorre eternamente. Portanto, a prakṛti é eterna; ela não é falsa. O Senhor refere-Se a ela como “Minha prakrti”. Esta natureza material é a energia separada do Senhor Supremo, e de maneira semelhante, as entidades vivas também são energia do Senhor Supremo, embora não sejam separadas, mas eternamente relacionadas com Ele. Então o Senhor, a entidade viva, a natureza material e o tempo estão todos inter-relacionados e são eternos. Entretanto, o outro item, karma, não é eterno. De fato, os efeitos do karma podem ser bem antigos. Desde tempos imemoriais, estamos sofrendo ou desfrutando os resultados de nossas actividades, mas podemos modificar os resultados do nosso karma, ou de nossas actividades, e esta modificação depende da perfeição de nosso conhecimento. Estamos ocupados em várias actividades. Evidentemente, não sabemos que tipo de actividades devemos adoptar para aliviarmo-nos das acções e reacções de todas essas actividades, mas isto também se explica no Bhagavad-Gita.
A posição do ishvara, o Senhor Supremo, é uma de consciência Suprema. As jivas, ou entidades vivas, sendo partes integrantes do Senhor Supremo, também são conscientes. A entidade viva e a natureza material são explicadas como prakrti, a energia do Senhor Supremo, porém uma delas, a jiva, é consciente. A outra prakrti não é consciente. Esta é a diferença. Logo, a jiva-prakrti é chamada superior porque a jiva tem consciência semelhante à do Senhor. Entretanto, a consciência do Senhor é suprema, e ninguém deve ficar argumentando que a jiva, a entidade viva, também é supremamente consciente. Em fase alguma de sua perfeição pode o ser vivo ser supremamente consciente, e a teoria segundo a qual ele pode atingir este ponto é uma teoria desorientadora. Ele pode ser consciente, mas nunca perfeita ou supremamente consciente.
A distinção entre a jiva e o ishvara será explicada no Décimo Terceiro Capítulo do Bhagavad-Gita. O Senhor éksetra-jna, consciente, assim como o ser vivo, mas o ser vivo é consciente de seu corpo particular, ao passo que o Senhor é consciente de todos os corpos. Porque Ele vive no coração de cada ser vivo, o Senhor é consciente das actividades psíquicas de cada uma das jivas. É bom não nos esquecermos disto. Explica-se também que o Paramātmā, a Suprema Personalidade de Deus, vive nos corações de todos como ishvara, o controlador, e que Ele dá instruções para a entidade viva agir de modo a satisfazer seus anseios. A entidade viva esquece-se dos actos que deve executar. Em primeiro lugar, ela resolve agir de certa maneira, e então enreda-se nas acções e reacções de seu próprio karma. Após abandonar um corpo, ela ingressa em outro corpo, assim como vestimos e tiramos roupas. Ao passar por esta migração, a alma sofre as acções e reacções de suas actividades passadas. Essas actividades podem mudar quando o ser vivo está no modo da bondade, em seu juízo perfeito, e compreende que espécie de actividades deve adoptar. Se tomar esta atitude, então todas as acções e reacções de suas actividades passadas poderão ser modificadas. Consequentemente, o karma não é eterno. Por isso, afirmamos que, dos cinco itens (ishvara, jiva, prakrti, tempo e karma), quatro são eternos, mas o karma não é eterno.
O Bhagavad-Gita ensina que temos de purificar esta consciência materialmente contaminada. Todavia, no momento atual, nossa consciência está materialmente contaminada. O Bhagavad-Gita ensina que temos de purificar esta consciência materialmente contaminada. Em consciência pura, nossas acções serão ajustadas à vontade do ishvara, e isso nos fará felizes. Não é que tenhamos de parar com todas as atividades. Ao contrário, nossas actividades devem ser purificadas, e actividades purificadas chamam-se bhakti. Actividades em bhakti parecem actividades comuns, mas a diferença é que elas não são contaminadas. Uma pessoa ignorante vai ver o devoto agindo ou trabalhando como um homem comum, mas essa pessoa que tem um pobre fundo de conhecimento não sabe que as atividades do devoto ou as do Senhor não são contaminadas pela consciência ou pela matéria impuras. Elas são transcendentais aos três modos da natureza. Devemos saber, porém, que neste momento nossa consciência está contaminada.
Quando estamos sob contaminação material, chamamo-nos condicionados. A consciência falsa manifesta-se naquele que se julga um produto da natureza material. Isto é chamado falso ego. Quem está absorto em pensar em conceitos corpóreos não pode compreender sua situação. O Bhagavad-Gita foi falado para que todos possam livrar-se da concepção de vida corpórea, e Arjuna colocou-se nesta posição para que o Senhor pudesse lhe fornecer esta informação. Devemos nos livrar da concepção de vida corpórea; esta é a actividade preliminar para quem deseja ser transcendentalista. A pessoa que quer tornar-se livre, que quer tornar-se liberada, deve primeiramente aprender que ela não é este corpo material. Todas as instruções do Bhagavad-Gita servem para despertar esta consciência pura, e por isso encontramos na última etapa de instruções do Bhagavad-Gita, Krishna perguntando a Arjuna se ele está agora em consciência purificada. Consciência purificada significa agir de acordo com as instruções do Senhor. Esta é a essência do significado de consciência purificada. A consciência existe porque somos partes integrantes do Senhor, mas temos a tendência de nos deixarmos afectar pelos modos inferiores. Porém o Senhor, sendo o Supremo, nunca é afectado. Esta é a diferença entre o Senhor Supremo e as pequeninas almas individuais.
O que é esta consciência? Esta consciência é “Eu sou”. Então, quem sou eu? Em consciência contaminada, “Eu sou” quer dizer “Eu sou o senhor de tudo o que me circunda. Eu sou o desfrutador”. O mundo prossegue porque cada ser vivo julga ser o senhor e criador do mundo material. A consciência material tem duas divisões psíquicas. Uma delas defende a idéia de que eu sou o criador, e a outra que eu sou o desfrutador. Mas na verdade, o Senhor Supremo é tanto o criador quanto o desfrutador, e a entidade viva, sendo parte integrante do Senhor Supremo, não é o criador nem o desfrutador, mas um cooperador. Ela foi criada para ser desfrutada. Por exemplo, a peça de uma máquina coopera com a máquina toda; uma parte do corpo coopera com todo o corpo. As mãos, pernas, olhos e assim por diante são todos partes do corpo, mas na verdade não são os desfrutadores. O desfrutador é o estômago. As pernas se locomovem, as mãos fornecem alimento, os dentes mastigam, e todas as partes do corpo estão ocupadas em satisfazer o estômago porque o estômago é o factor principal de nutrição na organização do corpo. Portanto, tudo é dado ao estômago. Nutre-se uma árvore regando-lhe a raiz, e nutre-se o corpo alimentando o estômago, pois para que o corpo se mantenha em estado saudável, as partes do corpo devem cooperar para alimentar o estômago. De modo semelhante, o Senhor Supremo é o desfrutador e o criador, e nós, como seres vivos subordinados, devemos procurar colaborar em satisfazê-lO. Esta cooperação acabará nos ajudando, assim como o alimento recebido pelo estômago ajudará todas as outras partes do corpo. Será um problema se os dedos da mão pensarem que devem tomar o alimento em vez de dá-lo ao estômago. A figura central da criação e do desfrute é o Senhor Supremo, e as entidades vivas cooperam com Ele. Cooperando, elas desfrutam. A relação é também como a do amo e do servo. Se o amo está plenamente satisfeito, então o servo também fica satisfeito. Da mesma maneira, deve-se procurar satisfazer o Senhor Supremo, embora nas entidades vivas também exista a tendência de tornar-se o criador e a tendência de desfrutar o mundo material, porque estas tendências existem no Senhor Supremo, que criou o mundo cósmico manifesto.
Verificaremos, portanto, neste Bhagavad-Gita que o todo completo é formado pelo controlador supremo, pelas entidades vivas controladas, pela manifestação cósmica, pelo tempo eterno e pelo karma, ou actividades, todos os quais são explicados neste texto. Tomados em conjunto, todos eles formam o todo completo, e o todo completo é chamado de Suprema Verdade Absoluta. O todo completo e a Verdade Absoluta completa são a Personalidade de Deus completa, Krishna. Todas as manifestações devem-se à Suas diferentes energias. Ele é o todo completo.